JACINTO PRISCO
( Jivatman )
( Brasil – Bahia )
Meu nome é Jivatman – nome da minha predileção, que significa "alma individual", em sânscrito. Venho de Auroville, uma cidade internacional em construção no Sul da Índia, onde vivem atualmente cerca de 2.000 pessoas de cerca de 40 nacionalidades. Somos quatro brasileiros vivendo lá, eu um deles, baiano de nascimento, aspirante a cidadão universal.
SERIAL, 1. Revista de Poesia. Direção Antonio Brasileiro e Jacinto Prisco. Salvador, Bahia: agosto – setembro, 1967.
Ex. bibl. Antonio Miranda
SUCO INDIGESTIVO
Não importa uma faca
o abdome trespasse:
fundo talho? muito sangue?
Põe-se esparadrapo
Não importa se fechem
portas; outras há
(ainda fechadas)
Não importa que ínfima
a greta na janela:
o desnecessário ar
Com a boca come-se
Com a boca vive-se
Tudo pode ser digerido
pela alma-feita-estômago
AMADORISMO
1. Por bem por mal ou por
simples descuido
colocar-me na vida
Deram-me um nome
alguma roupa
o estritamente necessário
2. Onde frutas (muito alto)
em galhos balançavam
No chão sapotis
morcegamente
mordidos
saciaram-me a urgência
3. A receita falsa-inteira
mais que o nome
o estômago
precisava
A vida odeia os que a sabem:
ama dores
PARÁBOLA
Afinal chegamos;
doem os pés, secam os
lábios, mas chegamos
Ou será que não?
Será este o que
buscávamos, chão?
Os grãos inúteis:
não nascem plantas
neste solo rude
Aqui só dá o que
o que não se planta (duro,
infecundo, se colhe)
Se colhe mesmo sem
querer; como uma ordem
que se cumpre
Mastigamos o produto
que sem plantar
plantamos, cúmplices
AS REGRAS DO JOGO
Nervosamente o jogo assisto
— boca torcida, espasmo —
e já sei que estou perdido
Não me disseram que eu mesmo
era, incompleto, o baralho
com uma angustia de naipes:
valete melancólico, sem dama,
rei exilado pela república,
dois de copas na mesa, apenas
Minha vida é uma partida
onde irresponsáveis jogadores
se divertem — eu inclusive —
porque não conheço outra forma
senão, perdido, entregar-me
antecipando a final derrota
(se é mesmo que haverá fim:
faltam cartas no baralho,
truques na manga do paletó)
Existe um respeito enorme
pelas regras: monstro de vários
sentidos, sem sentido algum
HOJE (I)
1. Sol-posto sol morto
onde raia o sol?
Mata verde-virgem
onde os pés não s oam?
Juritis aimorés caitités:
o sol entre folhas
Aqui edifício fascio
(compactocreto)
Onde o raio despojado
in(fra)filtrado?
2. guerra sombra guerra
o sol penumbra
sobre duro teto
casas caiadas casas
caladas
o silêncio branco
o mijo ocre nas
pernas medrosas
3. Ouço soluço brotar
no âmago humano
vejo olhos lavados
em nítido pranto
Vejo o homem em
busca da infância
vejo planetas, sóis
pelo meu telescópio
O encontro
o pranto o esperanto
o sol (o sol o sol)
não vejo
ESTATÍSTICA
As estatísticas dizem
100000 mortos
em Hiroshima
(e deformados
e decepados 100000)
100000 mortos
em Hiroshima
as estatísticas dizem:
100000 mortos
em números inteiros
redondos
e fáceis de ser ler
*
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Página publicada em março de 2023
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